segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O dia seguinte

Chamo-me Plínio de Arruda Sampaio e acaba de sair o resultado final da eleição. Esperei um pouco até tomar conhecimento. O final era óbvio, então estava tranqüilo.
Tomei um longo banho quente. Para relaxar. Acho que foi o melhor até hoje. O sabonete novo tinha um cheiro cítrico, ótimo para acalmar. O vapor havia embaçado o espelho. A imagem que aparecia ali era a mesma de sempre. Tinha a esperança de olhar e ver aquele rapaz jovem, amante da política e com grandes sonhos. Mas só via as rugas companheiras de anos.
Vesti uma roupa qualquer. A primeira que vi no armário. Uma calça de moletom azul, relativamente nova, e uma blusa branca puída. Depois de meses com aqueles ternos sérios e caros, finalmente estava à vontade. Fiquei descalço, a minha senhora ralharia comigo, poderia gripar. Mas naquele momento eu não ligava.
Fui até a cozinha. Um esplendoroso banquete me esperava. A campanha me impossibilitara de fazer refeições completas. Fazia meses que vivia apenas de lanches. Não sabia por onde começar. Talvez pelo pão francês fresquinho e um café com leite bem quente.
Não havia ninguém ali. Nem a minha esposa ou um dos assessores chatos. Eles pareciam aquelas baratas que sabem do seu asco e correm (ou voam, o que é pior) atrás de você. Enfim, eram a extensão impertinente de mim. E não estavam lá para me perturbar. Estranho.
Devorei todo o meu café da manhã sozinho. Sentia-me empanzinado. Uma moleza apoderou-se de mim. Precisei tirar um cochilo na minha adorável cadeira reclinável. Havia voltado à rotina e ela era simplesmente reconfortante.
Acordei meio zonzo. Dormi apenas 15 minutos. Pareceu uma eternidade. Estava feliz pela campanha, por voltar ao lar. Fui procurar minha mulher. Tinha esquecido como aquela casa era grande. Ou eu continuava a ficar mais velho? Dei uma gargalhada. Meu humor voltara. Malditas eleições que me deixaram tão sério!
Ela estava no escritório. Tão linda, com um terninho vermelho e saia combinando. Mas por que tão arrumada? Já poderia voltar a vestir as roupas velhas e confortáveis. Bem, ela estava divina. Parecia a Jaqueline Kennedy. Todos os assessores e organizadores também se encontravam lá. Até o meu vice-presidente. Sorri para todos, mesmo sem entender por que aquilo tudo.
Minha Jaqueline, então, veio me dar a notícia. Por algum motivo desconhecido, eu, Plínio, havia ganho as eleições. Era o novo presidente do Brasil. Só podia ser uma piada. Dei uma risada um tanto nervosa. Um dos assessores ligou a tv. Nela aparecia a minha cara moída pelo tempo com os dizeres embaixo “Presidente eleito – Eleições 2010”.
Um misto de nervoso e felicidade passou a fazer parte de mim. Uma dor estranha no peito também. E tudo ficou escuro. Nem a bendita eleição me deixou viver.

Nenhum comentário: